A PALAVRA DO PAPA
Clotilde de Lourdes Branco Germiniani ( * )
A Gazeta do Povo abriu um amplo e democrático espaço para as mais variadas manifestações sobre o aborto. Cronistas com diferentes formações profissionais e filosóficas expuseram seus pontos de vista e os leitores foram pródigos em declarações pró e contra o direito de interrupção de uma vida.
Com a chegada do Papa Bento XVI todos ouvimos a palavra da igreja invocando o respeito à vida, da concepção ao natural declínio. Ou seja, em uma frase, foram descartadas as hipóteses de aborto ou de eutanásia.
Muita gente vai dizer que a igreja está em descompasso com o mundo moderno, mas a Medicina tem a mesma ótica. Só se admite o aborto dito terapêutico, em casos específicos em que a vida da mãe está em risco iminente ou o feto não terá condições de sobrevivência como acontece na anencefalia mesmo nestes casos, a decisão deve ser tomada por uma junta médica e não por um profissional isolado. Até mesmo a ligadura de trompas segue regras rígidas não sendo indicada para mulheres jovens e saudáveis. Quanto à eutanásia, todos sabemos que os doentes graves devem ser levados para centros com recursos capazes de retardar o óbito e evitar sofrimento inútil do paciente. Ou seja, na nossa cultura o médico deverá sempre proteger a vida.
Do ponto de vista fisiológico existe um consenso: o novo ser nasce no instante da fecundação. Quer se considere a vida como um dom divino ou como uma simples manifestação da natureza, o momento da fecundação guarda um traço mágico e misterioso porque a fusão de duas células reprodutivas dá origem a um novo ser. Como será este novo ser, que rumo terá sua vida, que alegrias e tristezas acontecerão ao longo de sua existência? São milhares de perguntas que poderiam ser formuladas e as respostas virão com o passar do tempo, estando sujeitas a um número infinito de variáveis.
Quem teria direito de interferir nesta evolução e eventualmente interromper a trajetória deste novo indivíduo? Ninguém. Alegar que a mãe tem direitos sobre seu corpo é um sofisma porque o novo ser precisa do organismo materno para se desenvolver, mas é um novo indivíduo.
Uma das alegações para o projeto que permitiria o aborto invoca o fato de pessoas com más condições sócio-econômicas ficarem expostas a procedimentos praticados por leigos, com altos riscos, incidência de infecções, seqüelas diversas e óbitos.
Se a idéia é oferecer uma opção de aborto nos hospitais públicos, deveríamos levar em conta, as limitações do atendimento médico pelo SUS. Se a lentidão for igual à de outras áreas, os bebês virão à luz, enquanto as gestantes aguardarem a pretendida solução. Se for estabelecido um serviço rápido e eficiente para os procedimentos destinados à interrupção da gestação, teremos um paradoxo: um sistema público de saúde modelar para tirar vidas, enquanto o mesmo sistema é notoriamente deficitário para o atendimento de pacientes graves! A mídia mostra, com triste freqüência, doentes com patologias complicadas que vão a óbito antes de receberem o necessário atendimento e temos problemas de saúde pública, como é o caso da dengue, esperando melhores soluções.
Será que nesta realidade, com tantas falhas, vão ser instalados postos de atendimento emergencial para abortos? Melhor seria que o governo implantasse uma campanha educativa conscientizando a população e oferecendo opções de controle de natalidade. Esta prática poderia ser combinada com uma ampliação da rede de creches, permitindo que as mães pudessem trabalhar com tranqüilidade.
A minha é mais uma opinião para ser apreciada pelos leitores da Gazeta e talvez ajude a decisão, se caminharmos para um plebiscito.
( * ) Professora Titular ( Aposentada ) da UFPR, Membro do Centro de Letras do Paraná, da Academia Paranaense de Medicina Veterinária, do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná e da Academia Brasileira de Medicina Veterinária.